02/09/2015 09:49:00 » Autor: Marco Antonio Costa e Ricardo Albuquerque / Fotos: Raphael Lima
O baiano Vitorino Loreiro Argolo, 77 anos, está feliz da vida. Há 61 anos chegou ao Rio de Janeiro, vindo direto de Salvador. E o endereço que trazia nas mãos era para trabalhar em um prédio bem em frente à Praça Mauá: nada mais nada menos que o lendário Edifício Joseph Gire, mais conhecido como A Noite, arranha-céu pioneiro do Centro que abrigou o jornal de mesmo nome e a famosa Rádio Nacional. Com os olhos marejados, Seu Vitorino, hoje morador de Belford Roxo, relembra o passado vislumbrando a nova Praça Mauá, totalmente remodelada, que será inaugurada com festa no próximo domingo (06/09).
- Cheguei aqui no Rio muito jovem, no ano em que Getúlio Vargas se matou, 1954. Arranjei emprego no escritório de um advogado bem aqui em frente – ele aponta para o edifício A Noite – e minha vida era neste lugar. Havia os programas na Rádio Nacional, que eu frequentava vez por outra; o bonde Taioba, que transportava passageiros e carga; as boates e, principalmente, as mulheres – conta Seu Vitorino, marceneiro aposentado, com um risinho maroto nos lábios.
Não é à toa o sentimento de felicidade de Seu Vitorino, que fala dos tempos de outrora sentado num dos bancos que ladeiam a imponente estátua do Barão de Mauá. Antes degradada, à medida que os tapumes são retirados, uma nova praça ressurge aos olhos de quem passa na região. Recém-batizada Orla Prefeito Luiz Paulo Conde, a mais jovem vitrine carioca começa no Armazém 8 e segue até a Praça da Misericórdia, passando pelas praças da Candelária, Quinze e Marechal Âncora. São 3,5 quilômetros de extensão e 215 mil metros quadrados de área neste passeio.
O presidente da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp), Alberto Gomes, empresa da Prefeitura do Rio gestora da operação urbana Porto Maravilha, acompanha o passo-a-passo da obra desde o seu início e uma das coisas que mais o gratificam é o reconhecimento das pessoas em relação à obra:
- É interessante o impacto da revitalização sobre as pessoas. Muitas ficam impressionadas com a urbanização da região do Porto Maravilha e dizem que mal conseguem se lembrar por onde passava a Perimetral. A transformação da paisagem é uma referência da transformação do conceito de cidade e de mobilidade. A Praça Mauá é o centro de uma nova área de convivência que o Rio ganha, em padrão que valoriza pedestres, ciclistas e conecta equipamentos culturais antigos e novos pela Orla Conde.
Um dos grandes benefícios da remodelação é a implantação do novo sistema de mobilidade aberto após a demolição do Elevado da Perimetral. A mudança abriu um novo caminho que liga o Centro à Região Portuária. O novo sistema tem como principal objetivo dar prioridade ao pedestre, oferecendo transporte público de qualidade, e melhorar as condições de locomoção. As novidades incluem a implementação dos Veículos Leves sobre Trilhos (VLTs); a integração com o BRT (Bus Rapid Transit), que diminuirá a circulação de ônibus na área; a criação e a ampliação de vias; e a construção de 17km de ciclovias na Região Portuária. No dia da reinauguração, a Avenida Rio Branco, que começa na Praça Mauá e completará 110 anos em 15 de novembro, passará o dia fechada para veículos, como uma grande área de lazer para os cariocas.
Revitalização valoriza história e cultura da região
Cinco meses antes da inauguração da praça, as jovens Thaís da Silva, 21 anos, e Viviane Ferreira, 20, descobriram o espaço. No horário do almoço, de segunda a sexta-feira, elas passam alguns minutos observando a vista da Baía de Guanabara, enquanto conversam sobre a vida pessoal e o trabalho. As amigas são assistentes financeiras de um escritório de contabilidade na Rua Barão de Teffé, ao lado do Hospital dos Servidores, de onde saem para caminhar.
- A gente mora em Duque de Caxias, mas acompanhou a demolição da Perimetral, que agora sinceramente não sei nem onde ficava, e viu essa praça ressurgir. O que mais chama atenção é esse visual, que ajuda a relaxar e suportar mais um dia de trabalho — conta Thaís, com a aprovação de Viviane, que está animada com as novas opções que terá para chegar ao trabalho e os novos museus:
- Vou aproveitar as integrações viárias para chegar aqui de VLT. Com certeza será mais rápido e confortável. Além disso, poderemos visitar exposições no Museu de Arte do Rio (MAR) e nesse lindo museu que avança sobre as águas.
O equipamento que ela cita com entusiasmo é o belíssimo Museu do Amanhã, que será inaugurado ainda este ano, mas já se destaca entre os novos espaços culturais criados pelo projeto Porto Maravilha. Esses complexos integram-se com perfeição ao circuito histórico da região, com pontos como o Mosteiro de São Bento, a Pedra do Sal e o Cais do Valongo.
A santista Sandra Maria Filippo, 63 anos, mora há 47 anos na Rua Eduardo Jansem, que finda na Rua do Escorrega, ladeira que vai dar na Pedra do Sal. Todos logradouros tradicionais da região que abriga muitas casas centenárias e famílias tradicionais da área.
- Faço parte da história da Praça Mauá. Eu e meu marido criamos aqui nossos seis filhos. Morávamos em Santos e ele veio passar férias no Rio. Ficou numa pensão que existia aqui perto. Gostou tanto que me trouxe para conhecer o lugar. Deu nisso: não voltamos mais. Um dos nossos passatempos era ver a chegada das travestis que faziam shows nas boates. Eram aquelas roupas cheias de paetês. Um luxo. Esse era um lugar muito bom para se viver, mas ficou esquecido durante muitos anos. Estou feliz porque vejo agora a Praça Mauá renascer ainda mais bonita – finalizou Dona Sandra.
Homenagem ao Barão de Mauá
A praça homenageia o gaúcho Irineu Evangelista de Sousa, que morreu em Petrópolis, aos 76 anos, um mês antes da república ser proclamada. Barão e Visconde de Mauá, o empresário é considerado o maior símbolo de empreendedorismo brasileiro no século 19. Em 1846, fundou a indústria naval brasileira em Niterói, empregando mais de mil operários — pagava salário aos negros recrutados em fazendas escravocratas — e produzindo navios, caldeiras, engenhos de açúcar, guindastes, prensas, armas e tubos para encanamentos de água.
A lista de contribuições do Barão de Mauá para o avanço do país é extensa. Em 1851, lançou uma companhia de gás para a iluminação pública do Rio de Janeiro e organizou as companhias de navegação a vapor no Rio Grande do Sul e no Amazonas. Em 1854, inaugurou a primeira estrada de ferro do país, ligando Raiz da Serra a Petrópolis.
Em sociedade com ingleses e cafeicultores paulistas, o Barão da Mauá participou da construção da Recife and São Francisco Railway Company, da Ferrovia Dom Pedro II (atual Central do Brasil) e da São Paulo Railway (Santos-Jundiaí). Iniciou a construção do Canal do Mangue do Rio de Janeiro e instalou os primeiros cabos telegráficos submarinos ligando o Brasil à Europa.