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Recentemente estive ministrando uma série de palestras na China, organizadas pela Chinese University of Hong Kong e Nanjing Normal University. Ocorreram muitas experiências maravilhosas e instrutivas, porém uma noite se destacou.

 

 

Eu estava em Nanjing, a capital ancestral, e estavam sendo celebradas as semanas após o Ano Novo Chinês. O ponto convergente dessas comemorações era o Templo de Confúcio. Tanto em seu interior quanto no entorno, telões iluminados exortavam os jovens chineses a se superarem em seus exames. Crianças paravam diante desses telões para tirar fotos, próximas de personagens que diziam: "O primeiro da classe, nunca o segundo". Uma mulher segurando um microfone proferia palavras de bênçãos e expectativas de que os estudantes se saíssem bem em seus exames. Depois de cada uma delas, os estudantes golpeavam um enorme tambor com uma longa vara, como um sinal de aceitação da bênção. Dentro do templo estavam milhares de pequeninas mensagens em seda vermelho brilhante, expressando os votos de pais e estudantes de que esses jovens se saíssem bem em seus exames. Amigos chineses me explicaram o que estava acontecendo e o quanto esse espírito é difundido, envolvente. Todas as crianças conhecem um ditado popular que afirma que o caminho para a riqueza e para uma bela esposa passa, obrigatoriamente, pelos livros. Tomei conhecimento de que talvez 70% dos estudantes chineses em centros urbanos vão a cursos intensivos depois de suas aulas regulares, de modo a garantir uma boa performance em seus exames.

 

 

Robert Slavin é, atualmente, Diretor do Centro de Pesquisa e Reforma em Educação da Universidade Johns Hopkins e Presidente da Fundação Sucess for All. O Dr. Slavin é autor ou coautor de mais de 300 artigos e capítulos de livros sobre temas como aprendizado cooperativo, reforma escolar abrangente, agrupamento por habilidades, organização de escolas e salas de aula, dessegregação, inclusão, análise de pesquisa e reforma baseada em evidências. 

 

 

 
  "Tomei conhecimento de que talvez 70% dos estudantes chineses em centros urbanos vão a cursos intensivos depois de suas aulas regulares, de modo a garantir uma boa performance em seus exames."    
 

 

A razão pela qual pais e estudantes chineses consideram tão seriamente as notas de provas é óbvia em todos os aspectos da cultura chinesa. Em uma viagem que fiz à China, anteriormente, visitei uma bela casa de centenas de anos, num grande centro urbano. O único propósito dessa casa era oferecer estadia para rapazes de um numeroso clã, enquanto se preparavam para seus exames, o que determinaria suas posições na hierarquia confucionista.

 

 

Como se sabe, os estudantes chineses têm, de fato, um excelente desempenho em seus exames. Eu apontaria que esses dados são oriundos, especialmente, de áreas urbanas da China Oriental como, por exemplo, Shangai. Já tinha ouvido falar a esse respeito, mas não havia ainda compreendido totalmente as políticas que contribuem para tais resultados. Em todas as cidades da China, os estudantes só podem frequentar escolas nas cercanias de suas cidades – onde estão as melhores escolas do país – se eles nasceram ali ou se são proprietários de apartamentos. Em um país onde um pequeno apartamento em uma cidade grande pode facilmente chegar a custar meio milhão de dólares americanos, este não é um fator de seleção desprezível. Se os pais trabalham na cidade, mas não são proprietários de apartamento, os filhos podem ter que permanecer no vilarejo ou na cidade pequena de origem, vivendo com os avós e indo a escolas não frequentadas pela elite. As cidades chinesas estão experimentando um crescimento tão rápido, que a maioria de seus habitantes vem de diferentes partes da China. Essa informação é importante porque os admiradores do sistema educacional chinês frequentemente citam as impressionantes estatísticas das ricas e crescentes cidades da China Oriental, mas não do país como um todo. Seria com se os Estados Unidos reportassem as pontuações de provas, em comparações internacionais, somente de subúrbios em estados da parte nordeste, de Maryland a New England, a fatia mais rica e de mais alto desempenho do país.

 

 

 

 


Não pretendo desvalorizar, de nenhuma forma, as conquistas educacionais dos chineses, mas, sim, contextualizá-las. Em primeiro lugar, os próprios chineses têm dúvidas sobre as notas de provas serem consideradas como os únicos indicadores importantes e admiram a educação ocidental pelo seu foco mais abrangente. Porém, atendo-se a resultados de provas, a China e outras culturas confucionistas, tais como Japão, Coreia do Sul e Singapura, têm fortalecido uma cultura que valoriza essas pontuações desde Confúcio, há mais ou menos 2.500 anos. Exibir-se dessa forma ao mundo seria um foco central da cultura chinesa, mesmo que o PISA ² ou o TIMSS ³ não existissem.

 

 

 

 

 

 

"Se os pais trabalham na cidade, mas não são proprietários de apartamento, os filhos podem ter que permanecer no vilarejo ou na cidade pequena de origem, vivendo com os avós e indo a escolas não frequentadas pela elite."

 

 

 

 

 

Minha única questão é que, quando observadores americanos e europeus apontam as conquistas da Ásia Oriental como um alvo ao qual se deve aspirar, tais conquistas não existem em um vácuo cultural. Outros países podem, potencialmente, realizar o que a China realizou, em termos de pontuação em provas e outros indicadores, mas não podem fazê-lo da mesma forma. A cultura ocidental simplesmente não vai passar os próximos 2.500 anos criando seus filhos do mesmo modo como os chineses o fazem. O que podemos fazer, entretanto, é usar nossos próprios pontos fortes em pesquisa, desenvolvimento e disseminação para, progressivamente, aprimorar os resultados educacionais. Os chineses podem fazer isso também, e farão; é o que eu estava fazendo, viajando pela China para falar sobre uma reforma baseada em evidências. Não precisamos entrar em competição com qualquer outra nação ou sociedade, dado que expandir oportunidades e sucesso na educação ao redor do mundo é do interesse de todos na Terra. Porém, deixar-nos envolver pela fantasia de que nos é possível avançar imitando partes da cultura chinesa, a qual vem sendo refinada desde os tempos de Confúcio, não é sensato.

 

 

Justamente por causa de seu profundo respeito ao saber e à aprendizagem e seu ímpeto em continuar a melhorar suas realizações na área educacional, os chineses são os colaboradores ideais no movimento mundial em direção a uma reforma da educação baseada em evidências. Colegas da Chinese University of Hong Kong e Nanjing Normal University estão lançando nosso informativo sobre evidências na educação, Best Evidence in Brief – BEiB (O Melhor da Evidência em Resumo), em versões na língua chinesa e com foco na Ásia. Nós e os colegas do Reino Unido temos distribuído o BEiB há vários anos. Acolhemos a oportunidade de compartilhar ideias e recursos com nossos colegas chineses, de modo a enriquecer a base das evidências para a educação das crianças em todos os lugares.

     
 

 

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¹ SLAVIN, Robert. Lessons from China. 2018. Disponível em: <https://robertslavinsblog.wordpress.com/2018/03/22/lessons-from-china/>. Acesso em: 01/04/2018. Traduzido e publicado com autorização do autor.

 

 

² Programme for International Student Assessment (PISA) - Programa Internacional de Avaliação de Estudantes.

 


³ Trends in International Mathematics and Science Study (TIMSS) - Estudo Internacional das Tendências em Matemática e Ciências.